O título da coluna desta semana é uma alusão ao “pretinho tipo A” que Racionais cantam em Capítulo 4, versículo 3. Neste sábado (24), ouvi mais uma vez esta música ao vivo e, num show-espetáculo, analisei ainda mais firme as letras.
O pretinho tipo A era foda. Era a gente. Vestia-se bem, vivia bem, era admirado. O mano da música era o que o sistema nunca pensa que a gente vai ser: vivo, vívido. Podia ter o mundo e, de certa forma, tinha. Mas saiu do caminho, do prumo, mirou numa realidade que não era a dele e, pior, não era pra ser dele. Começou a colar com os “branquinhos do shopping” e deixou de ser quem se era. Viciado, doente, fodido.

A realidade que Racionais cantam na música pode te parecer distante. “Eu, aqui no meu celular, lendo uma coluna em pleno domingo, terminar viciado pelas ruas da cidade?” Pois é. O que é mais incrível em tudo que eles ensinam pra gente é aplicabilidade na realidade. Cada música tem várias lições, milhares de interpretações. A que eu destaco e divido com vocês é a atenção redobrada aos nossos fantasmas.
A cada esquina tem um “branquinho do shopping” pronto pra agir de forma que a gente termine viciado, doente e/ou fodido. Esta é a definição que esperam, social e estruturalmente, da gente. Nos veem como escória, por definição. Essa é a raiz da bolsa escondida ou da perseguição por seguranças em lojas. “Como assim o seu celular é mais caro que o meu? Como assim você vai entrar nessa loja cara? Calma, não era isso que eu esperava de você”, o subconsciente deles grita. E não se trata de dinheiro. Esse subconsciente também grita quando pegamos o diploma, formamos uma família saudável, dançamos e nos divertimos, viajamos, lemos livros que eles não leram, somos poliglotas, artistas, etc.
Quem ou o que é o seu “branquinho do shopping”? Qual é o ponto de atenção da sua vida para que você não saia do caminho estrelado que está trilhando até aqui — e esse brilho é, primordialmente, estar vivo?
É muito fácil não estar vivo, muito fácil cair no que a sociedade espera. A gente não pode cair nessa.
Não é surpresa nos verem nas ruas, nos vícios, nas dívidas, nas celas. O choque é o oposto. Quando este oposto acontece, deixamos de ser inofensivos. Temos forças físicas ou mentais para mudar esse sistema, ou ao menos deixá-lo menos agressivo pra gente. E é isso que uma sociedade fincada no racismo não aceita.
A gente precisa furar essa barreira, e todos os dias. Ainda assim, corremos o risco (vide Rennan da Penha). Só não pudemos nos furtar de viver oportunidades ditas impossíveis apenas porque elas não são esperadas.
A gente pode tanto, tanto mais. Atentemo-nos às armadilhas para não terminarmos “sem oferecer perigo”. O que você pode fazer para furar a barreira hoje?
“Irmão, o demônio fode tudo ao seu redor / Pelo rádio, jornal, revista e outdoor / Te oferece dinheiro, conversa com calma / Contamina seu caráter, rouba sua alma / Depois te joga na merda sozinho”
Racionais 4:3