Rincon Sapiência e o Poder da Canção

É muito louco enxergar a cena musical atual e reparar como é difícil pra qualquer artista se destacar e ter o seu devido reconhecimento. Tente imaginar todos os venenos que o artista passa até chegar num bom patamar de visibilidade.

Dennis DJ lançou dois hits naquele clássico cd verde da furacão 2000 (http://migre.me/wpI7F) que vendeu que nem água no país inteiro. Isso lá no começo da década passada. Depois disso ele passou por problemas pessoais que refletiram diretamente na sua carreira e só veio estourar quase 10 anos depois. Imagina a quantidade de dúvidas e incertezas que passaram em sua cabeça até ele encontrar o caminho certo e se firmar como a maior referência do Funk atual. Criolo é MC desde 1989, dois anos antes do ano do meu nascimento. Ele só foi lançar o sensacional e underground “Ainda há tempo” em 2006. E só estourou com o “Nó na Orelha” em 2011. Mais de 20 anos na pista, comandando a “Rinha dos MCs”, passando por provações, provocações, empregos que certamente não o faziam feliz mas sempre acreditando – e tendo pessoas apoiando – que a música era mais forte.

Uma hora vai bater. Isso é um fato. Só não sabemos quando. Mas vai bater. Rincón Sapiência mostra isso de uma forma bem bonita. Começou a carreira em 2000, passou por diferentes grupos de rap, mudou de nome duas vezes e apareceu de forma mais consistente em 2009 com o som “Elegância”. Ali ele já mostrava uma personalidade forte e identidade diferente dos outros MCs da época.

“.. acostumado a passar por despercebido

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exceto quando tão procurando bandido.

A conclusão pra evitar ando bem vestido,

conforme a grana que vem e tem me permitido.”

Eu tenho uma tática para identificar se aquele MC que eu estou ouvindo, nasceu e se dedica de verdade pra fazer um bom rap ou se ele só tá ali de teimoso querendo aparecer. Escute e leia as letras desse MC e tente chegar a conclusão se os versos que ele criou fizeram sentido ou se ele simplesmente encaixou palavras clichês de fácil entendimento no seu verso somente para completar uma rima. Rincón não desperdiça nenhum verso. Nenhum. Não é daquele tipo de MC que rima palavras só por rimar. Cada verso dele traz alguma visão, alguma metáfora ou alguma alusão aos seus questionamentos e é isso que torna o que é extremamente difícil parecer fácil. É que nem ficarmos em frente a televisão embasbacados com o que o Messi faz nos jogos do Barcelona e tentarmos fazer as suas mágicas nas peladas que jogamos por aí. Nunca acertamos, mas achamos que aquilo seria fácil por ter visto um gênio fazendo aquilo com extrema tranquilidade. No rap é a mesma coisa.

Voltando pro poder da canção, eu juro que to tentando achar o melhor verso do Rincon em “Ponta de Lança” pra tentar chamar a sua atenção pra aquele momento importante da música, mas eu realmente não consigo. É uma sucessão de punch lines, de ideias sagazes em que tudo faz sentido. São inúmeros assuntos e metáforas abrangentes que te fazem pensar. Pra mim, o rap não tem que ter regra. Ele precisa ser livre. Seja o mais comercial falando de festas ou maconha ou o mais cru falando sobre alguma realidade. Ele só precisa te tirar da tua zona de conforto. Precisa te intrigar e fazer você se perguntar como que aquele MC chegou naquela rima. Rincon quando diz que “a noite é preta e maravilhosa, Lupita Nyongo”, ele te joga de volta a alguns anos atrás quando Lupita foi criticada por meio mundo por ter ganho um concurso de “mulher mais linda do mundo” numa revista pop/comercial/escrota americana. O padrão de beleza comercial que as pessoas estão acostumadas, não permitia enxergar a Lupita como uma mulher extremamente bela e que poderia sim ser considerada uma das mulheres mais bonitas do mundo.

“Meu verso é livre ninguém me cancela,

tipo Mandela saindo da cela”

Ligar na mesma rima a palavra “livre” com o Mandela que ficou 27 anos preso dentro de uma “cela” e fazer uma comparação com a liberdade de expressão que qualquer artista tem que ter, é genial. É ir de encontro com todas as minhas definições de músicas clássicas dentro do Hip Hop.

“Ponta de Lança” foi lançado no final de dezembro e tem mais de 4 milhões de views no Youtube. De repente pros padrões dos hits megalomaníacos do Youtube, esse número não seja tão relevante. Mas como por aqui odiamos os “padrões” e acreditamos no que tem essência e sentimento, ver que um artista verdadeiro e genuíno – e não comercial – como Rincon tendo um número expressivo de views e uma das músicas mais celebradas das festas undergrounds do Rio de Janeiro, é de extrema importância e felicidade. Porque acredito que qualquer artista que seja verdadeiro, precisa ter reconhecimento para que isso se torne um combustível cada vez maior para sua caminhada, que nunca será fácil. Uma hora vai bater. Isso é um fato. Só não sabemos quando. Mas vai bater.

Imagem: I Hate Flash

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Cosmo Pyke

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