Mano Brown por Lucas Sá

O legado do faraó | AUR, Cover Show

Tudo o que é visualizado com otimismo, planejado com cuidado e executado com coragem possui grandiosas chances de dar certo. Venho acreditando nisso com o passar dos anos e o tempo vem mostrando que fica quem persiste e quer mais do que a maioria. Os show que o Baile do Faraó deu no sábado passado prova isso.

Conheço o MSE há uns 4 anos. Me recordo que conheci o trabalho do produtor Sango ouvindo uma mixtape dele no soundcloud. Tocamos juntos varias vezes e desde a primeira vez mantivemos uma relação muito verdadeira, como acredito que seja a maioria das relações do cara. Gabriel dos Anjos, o MSE, é um dos caras mais queridos da cena do rap da nossa cidade. Sorri, brinca e passa uma leveza num meio onde o hype é fazer um carão pras fotos e ostentar o que as vezes não existe. Isso faz com que a sua imagem inspire uma confiança única e crie laços verdadeiros com os que andam ao seu lado.

@louquera

Nessa correria artística, MSE reparou que, pra ser alguém na carreira e não deixar a chama apagar, ele deveria ser mais do que um simples DJ. Visão que pode parecer óbvia mas que poucos possuem. Ele percebeu que se ele não atuasse em outros segmentos na cena, sua carreira ficaria sempre naquela média de cache entre R$300,00 e R$ 500,00, quando o contratante pagava. Essa incerteza da nossa carreira, junto com uma cena que não ajuda e não vira de fato para DJs de rap, faz com que sejamos empreendedores do nosso futuro, concentrando os nossos esforços em ampliar as nossas chances de fazer o game acontecer.

Há mais ou menos 1 ano e meio atrás, encontrei o MSE no ganjah e ele me abriu esse papo. “Mano, ser só DJ não dá. A gente precisa ter o nosso baile e fazer o nosso corre do nosso jeito. Quero pegar essa grana que os grandes produtores pegam.”. Tava ali montada a visão do que seria um dos bailes mais respeitados da cidade atualmente. Depois de algumas edições que passaram pelo viaduto de madureira, o Baile do Faraó chegou ao seu ápice invadindo um dos espaços mais democráticos e difíceis de se virar uma festa, o Hub. Difícil pelo simples fato do lugar ser enorme. Devem caber tranquilo por ali umas 3 mil pessoas e não é nada fácil movimentar essa galera toda pra qualquer baile na cidade. Nessa última edição, MSE trouxe simplesmente os dois maiores expoentes do rap em suas respectivas gerações, e um peso pesado do Funk 150 bpm. Mano Brown e BK’ são de fato os maiores representantes do público negro das suas gerações e suas músicas transcendem o real poder do rap e FP do trem bala é uma das maiores referências do 150 bpm, tendo seus podcasts e videocasts explodidos por todo país.

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@louquera

“Eu acho que as mulheres negras entenderam que esse lugar de competição ele só atrasa. que é o lugar onde o machismo e a cultura coloca a gente. então assim, a gente sempre conversa quando estamos juntas. é tão bom a gente estar juntas, falar sobre coisas. nossa angústia, solidão da mulher negra, mas o quanto a gente é foda. pra mim é super importante ter essas mulheres do meu lado” – Lellezinha

Fazer qualquer evento duas semanas antes do carnaval, na cidade do Rio de Janeiro, não é uma tarefa fácil. Várias outras festas 0800 na pista, blocos ao redor da cidade e um calor pesado que deixa a vida de qualquer pessoa mais difícil. Mesmo assim, tudo correu bem. A DJ Afrolai abriu a pista e chamou a rapper Ainá para fazer uma participação bem foda no seu set. Lellezinha chegou mais cedo justamente para ver sua amiga Ainá no palco. Para ela, é importantíssimo mulheres negras se ajudarem nesse tipo de momento.

O DJ Knines fez um set muito preciso e variado. Mas é aquela variação que faz sentido, não uma farofada que não deixa ninguém entender as camadas e recortes de um set. Fez uma variação bonita entre trap, boombap, música brasileira e trap funk. Deu muito certo e manteve a galera, que ainda tava chegando, num bom clima. Minha grata surpresa da noite foi o set da DJ Pauly, que eu ainda não tinha ouvido tocar. O set foi extremamente bem mixado e muito pesado, trazendo camadas muito bem posicionadas de trap, sua vertente principal. O set foi dinâmico e não deixava uma track ter mais que dois refrões. Isso dá uma velocidade na pista e mantém a galera acelerada. o B7DJs subiram ao palco e tocaram varias “rares” que sempre deram a identidade dos seus sets.

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“Eu vejo uma evolução dentro da cultura urbana e um novo olhar pro mundo pra gente estar cada vez mais antenados e se posicionando como pessoas que vem da cultura urbana e estar levando esse game a frente pra gente estar cada vez mais crescendo.” – Thiago de Jesus

O baile tava extremamente organizado. Os horários do line foram muito bem respeitados. Houveram poquíssimos atrasos, que foram por pura e simplesmente troca de equipamentos. Coisa normal em qualquer grande evento. Não vi filas nos bares e dificuldade pro público comprar suas bebidas. Os preços geraram discussões, mas não estavam tão diferentes de outros grandes eventos que acontecem no Rio.

BK’ subiu no palco com muita expectativa. Muitos que estavam ali, não tinham tido a oportunidade de ver o seu show de lançamento do álbum “Gigantes” no circo voador. Infelizmente, o show do Baile do Faraó não foi com banda, mas a energia imposta por ele, JXNVS nas dobras e o DJ Ellif mantiveram a galera firme e quente o show todo. A mesma tática que foi utilizada na abertura do show do circo – um áudio do Mano Brown, na abertura do show, elogiando a sonoridade do álbum – deu certo novamente e essa abertura deve ser utilizada ao longo dos shows do rapper pelo país a fora. O set list tá misturando perfeitamente os dois álbuns do BK’ e suas outras participações em outros projetos paralelos. Bril subiu ao palco para cantar as músicas do nectar e a galera abriu a clássica roda.

@louquera

Enquanto o show do BK’ ia caminhando ao seu final, Mano Brown já se preparava no backstage para a sua entrada no palco. O show Brown iria ser logo após o do rapper carioca e rolou uma suspeita de participação. Não rolou o feat, mas um abraço histórico rolou no pós show. Assim que BK’ desceu do palco, os dois se encontraram e o rapper que havia acabado de fazer um show incrível passou o bastão para o maior artista desse país. Brown monta uma entrada muito teatral, usando dois grandes dançarinos para esquentar a galera e trazer ao palco um elemento esquecido dentro da cultura hip hop, a dança.

O palco fica todo vermelho e Brown começa a dar alguns papos retos no microfone antes de rimar o refrão de “Mil faces de um homem leal”, single que narra a história do guerrilheiro Marighella. O show foi rolando e inúmeros clássicos dos Racionais foram cantados. “Jesus chorou”, “Capítulo 4, versículo 3”, “Preto zica” foram os ápices mantendo o show bem quente. Em um certo momento, Brown pede que o seu DJ solte uma música do Marvin Gaye para que ele possa descansar e retomar o show. Ele recupera o folego retoma as rédias da galera.

A galera é um caso a parte. Sempre acho que o público do Rio é morno e muito difícil de ser conquistado. Temos que reparar a dificuldade de juntar um público realmente consumidor de música, não utilizando ela como mais um fator interessante numa night, dividindo atenção com as cervas, os beques e os flertes. É cada vez mais difícil capturar a atenção do público e até pro consagrado Mano Brown essa tarefa foi árdua. A galera, principalmente do backstage, não deu a atenção merecida ao show do Brown, preferindo ficar numa resenha atrás do palco e cantando os trechos das músicas mais famosas. Não viram, por exemplo, o momento que os dançarinos de Brown abriram um mapa no centro do palco e os quatro artistas encenaram “Eu sou 157 ” ao vivo, fazendo uma interação e ilustração da letra do clássico ali no palco.

@louquera

“Meu rap nunca foi desprendido do entorno, ele sempre foi muito envolvido e muito compromissado com o entorno. Com a ideia maior que é a evolução do nosso povo, Já que eu disse naquela hora que o rap é o instrumento do negro e de luta do negro. E tem q ser usado bem. Tem que usar. Pra ganhar dinheiro e gerar emprego. Fazer o dinheiro negro girar e tirar os nossos irmãos do anonimato e da reta da arma, morô? Da injustiça e da covardia das madrugadas. Tem que ser um elo da corrente pra trazer sempre mais um, essa é a nossa maior missão. sempre trazer mais um, entende? o seu trabalho e o meu, a gente se completa. somos um corpo só.” – Mano Brown

Mano Brown foi ovacionado quando saiu do palco. Fizemos uma entrevista com ele que, não é exagero dizer, mudou as nossas vidas. Logo após, FP do Trem Bala assumiu a pista e fez um show muito avançado, como era de se esperar. Vários efeitos pirotécnicos e a presença de um dos DJs mais animados do funk. Turbininha assumiu após dele e tinha a difícil missão de manter a pista acesa, sem tocar alguns hits que FP já havia tocado. Ela conseguiu fazer bem a missão e o céu já amanhecia quando MSE entrou no palco para conseguir exercer a sua função principal, que é ser DJ.

@louquera

MSE, Thiago Diaz e todo o bloco 7 deixam um legado de faça por você mesmo, levando essa expressão ao extremo. Usam dos contatos, das suas correrias e das suas possibilidades para realizar o que parecia impossível. O legado é esse.

 

 

Agradecimentos especiais:

Kaire Jorge, por ter viabilizado a entrevista com o Brown.

Ao Baile do Faraó.

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