Pensar arte é se redescobrir e criar valor a partir da criação. Os valores passados pela família e as relações sociais nos pedem um olhar sobre o passado, sobre nossa ancestralidade.

Gabriella de Almeida Marinho, prestes a fazer 26 anos, é nascida e criada no Jardim Catarina, em São Gonçalo, Rio de Janeiro. Sua mãe, Cláudia Regina, foi muito importante para seu crescimento como mulher e é citada como uma grande influência para seu caminho artístico.
Gabriella sempre teve muita energia e me conta que no espaço escolar precisou usar formas de proteção, sempre engraçada e fazendo parte do grupo masculino, uma ação que não é incomum se pensarmos na escola e na socialização plural.
Gabriella até os dias de hoje é uma ávida aluna do aprendizado criativo. Cita sua avó Deil e sua tia Simone como personalidades importantes, além de sua mãe, pedagoga em atividade.
Sempre observadora e calma, Gabriella produz sua arte em seu próprio universo, cria seu ritual, senta em seu espaço de criação e rebusca elementos como a natureza e suas formas, a terra que podemos tocar e tudo que ela pode nos oferecer.
Gabriella cita a movimentação corporal como parte de um processo de aprendizagem diário, como uma boa capoeirista. Deve a Mestra Lilla seu aprendizado sobre o corpo e como isso influencia o dia a dia.
Começa seus estudos sobre a cerâmica e o trabalho artístico em 2016 e, a partir desse momento, se descobre como artista. Passa a entender seu papel como mulher preta e periférica, principalmente pela arte e oralidade sempre estarem presentes em sua família. Gabriella afirma a necessidade de buscar nas suas raízes uma forma de contar ao mundo o que seu corpo deseja.
Na infância, Gabriella criava colares com sua mãe. Ali, aprendeu sobre materiais e bordado, unindo sempre a busca por dinheiro para ajudar nas despesas de casa ao prazer de criar. Nessa fase tinha o desenho como um alívio emocional e, apesar da baixa autoestima, se libertava através da arte.
O clique para expor suas obras e viver de arte nasce após o estudo sobre argila e o trabalho de utilização da cerâmica fugindo do estereótipo da arte elitizada.
Gabriella sempre se cobrou. Ela se assume uma eterna desafiadora de si mesma. Idealizou e produziu “Guarita”, uma obra que funciona como uma série de espadas de São Jorge que expôs junto com outros artistas negros no Coletivo Pence, na Lapa. Foi onde a luz sobre seu real objetivo enquanto mulher preta e artista acendeu.
Um outro momento importante de sua trajetória está nas ações como facilitadora de oficinas, como a realizada em colaboração com o coletivo “Só Podia ser Preto”, fazendo parte do AfroLab, em Macaé.
Gabriella também já atuou no campo educacional, contribuindo para a escola Zelia Gattai com uma oficina voltada para a educação infantil no Morro do Fallet, para crianças de diferentes idades. Ela busca atingir pessoas que infelizmente não possuem condições de ver a arte. Gabriella se mostra uma artista interessada na expansão da cultura de forma acessível, sempre tocando em um ponto importante: a representatividade.
Neste ano, Gabriella realizou sua exposição mais recente, “Do barro ao corpo: A experiência feminina na cerâmica’’, que narra a a relação da mulher negra com o barro. O projeto faz uma alusão ao corpo da mulher preta enquanto barro e o barro enquanto corpo, dialogando com a estética e a simbologia da terra e religiões de matrizes africanas em cada instalação. Apesar de não possuir vínculo fixo com nenhum culto, ela é uma amante da terra, vê o coração como um símbolo principal para afetividade.
Kianda, seu ateliê e sua tag, carrega momentos de sua infância. Ela une a representação da entidade sereia, que vive nos mares de Luanda, com um penteado que sua mãe fazia quando a artista ainda era criança.
Gabriella também cita como a sociedade e o sistema nos coloca em uma posição fora da realidade em relação às nossas origens, o que faz cada um ter uma sede diferente de autodescoberta.
Em sua última exposição, Gabriella mostra as séries: “Por que arrancaram meu nariz?”, “Nascimento de Nanã”, “Mulheres” (mulheres e o barro), “Himba”, “Suma”, “Zulu” e “Guarita”, além de uma instalação com vídeo, “Coração na mão”, e a foto collab com Mateus Almeida.
Gabriella me ensina e me mostra o valor que dá às suas produções e ressalva que, em África, tudo que é utilizado possui significado, tem vida.
Hoje Gabriella realiza projetos como facilitadora de oficinas, tem seu ateliê onde produz as cerâmicas e vem trabalhando como educadora artística, buscando expor seu material em outros espaços e ocupando locais com a arte ancestral, criando um legado.
Todas as fotos são de Edson Jonathan