Mario Balotelli é um homem negro. Milionário, claro, mas negro. E dizer “mas” é importante aqui. Balotelli fez fortuna jogando um ótimo futebol, mas nada disso blindou ele do racismo. Italiano, o filho de imigrantes ganeses foi adotado por uma família europeia. Nada disso blindou ele do racismo. No último fim de semana, mais uma vez, Balotelli ouviu cantos racistas da torcida adversária ao seu time.
Durante a partida entre Verona e o Brescia, time do atacante. Cansado, exausto e de saco cheio da repetição, bicou a bola em direção aos torcedores racistas e se dirigiu à saída do campo: não ia mais jogar naquelas condições. Eu já perdi as contas de quantas vezes o Balotelli sofreu racismo, teve de se posicionar, dar declarações, explicar o tamanho do erro que é você atacar um jogador pela cor da sua pele. Tudo isso, tantas vezes, fez com que ele se tornasse um expoente na luta contra o racismo no futebol, à reboque de toda a “polêmica” que marcou sua carreira.

Balotelli, até então, era visto como um jogador marrento. Falastrão. Recentemente, quando cavaram uma possível vinda dele para o Brasil, especificamente para o Flamengo, foi mais um show de racismo, mascarado pela crítica ao “garoto-problema”. Na Fox disseram que teria de castrá-lo para jogar no Brasil, e acharam que isso não era racista. Mas eu mastigo: associação de homens negros com animais incontroláveis é racismo. “Imagina o Balotelli solto no Rio de Janeiro”, o comentarista Maurício Borges continuou.
Atravessando o Atlântico, nada mudou: Balotelli continua sendo visto como um animal, um “macaco”. A reação deste fim de semana, de querer sair de campo, foi condenada. O líder dos ultras do Hellas Verona, Luca Castellini, disse que é uma torcida “irreverente” e que faz piadas (!) com todo mundo, inclusive “os de cor”, mas que não é racista. Enquanto tentava se defender do indefensável, Castellini foi racista. De novo. Atacou Balotelli pela sua cidadania italiana, dizendo que ele não era “de todo italiano”. Qual o objetivo de trazer isso à baile numa discussão sensível como esta, se não for o menosprezo?
Balotelli reagiu a Castellini: “Quando eu fazia, e ainda farei, gol pela Itália, tudo bem, certo?”. E esse é o ponto que o racismo dá nó. Há séculos, os negros são vistos como reprodutores, mão-de-obra, sem humanidade. Isso era, literalmente, assim no período da escravidão e se perpetuou ao longo dos anos. Ainda há resquícios, é a tal herança escravocrata: você nos serve, mas não é como nós.
Balotelli é um jogador excelente, e tenho certeza que todo italiano racista comemora seus gols pela Seleção. Mas só. Quando não é nessas condições, ele não é visto como humano, como digno. A primeira vez que ouvi Balotelli reclamar de manifestações racistas foi há mais de 10 anos. De lá pra cá, ele rodou por vários clubes. E nada mudou.
Parece haver também nesses ataques um fator de confronto àquele que se levanta contra o racismo. Quanto mais um alvo fala sobre, maior é o motor dos que atacam. Não é novidade: nos querem domesticados, de cabeça baixa, “sim, sim”, “não, não”. Querem que levemos na brincadeira, que demos risada, que continuemos a ver como piada.
Balotelli é um alento. Marrento, “encrenqueiro”, como você quiser chamar. Mas eu acho admirável ele não se curvar mais às atitudes racistas de que é alvo. Mais uma vez, coube a Balotelli se levantar contra o racismo.
Balotelli bicou a bola em direção à torcida racista. Pela linha de fundo, tentou sair. O vídeo é triste: ele é pura raiva. No meio da confusão, sem ninguém entender nada, ele foi abordado por companheiros de time e até adversários. Voltou. Aos 40 do segundo tempo, marcou gol. Ainda assim, o Brescia não conseguiu os três pontos. Mas quem perdeu, mais uma vez mesmo, foi a gente. Todos nós. Que o Balotelli tenha forças.
Coluna da Lola