A Herança e o Legado histórico no livro O Caminho de Casa de Yaa Gyasi

Num belo dia de 2017 estava na Livraria da Travessa da sete de setembro esperando o Di Cândido – um grande parceiro desse site – quando me deparei com o livro O Caminho de Casa de Yaa Gyasi, olhei para a capa e duas mulheres negras estavam lá, primeiro passo: verificar quem era a autora – porque sim, estou priorizando autoras negras, leia bem, não disse que não leio autoras não-negras, disse que estou PRIORIZANDO autoras negras – Yaa Gyasi, escritora nascida em Gana e criada no Alabama, foi reconhecida como uma das escritoras mais proeminentes de 2016 ganhando o maior prêmio de literatura com seu livro de estréia e de cara entrou para o rol dos 100 livros mais importantes do ano.

A sinopse?
Com uma narrativa poderosa e envolvente que começa no século XVIII, numa tribo africana e vai até os Estados Unidos dos dias atuais, Yaa Gyasi descreve as consequências do comércio de escravizados dos dois lados do Atlântico ao acompanhar a trajetória de duas meias-irmãs desconhecidas uma da outra e das gerações seguintes dessa linhagem separada pela escravidão.

Uma das minhas reclamações mais recorrentes, e de vários amigos meus também, era estarmos meio que cansados de ler sobre narrativas de sofrimento, quando vamos ver personagens negros em livros que não falem sobre escravidão, dor e luto? Porque é tão difícil achar livros de qualquer segmento literário que não associem pessoas negras a tristeza?

Cadê os livros onde os pretos estão felizes e plenos?
Esses foram uns dos motivos que fizeram eu não levar o livro.
Pula pra 2018, mais precisamente 15 de janeiro, o dia que comecei a ler O Caminho de Casa em pdf e não consegui parar até dar cabo das 443 páginas, escrever sobre ele em dois posts do facebook e dois posts do instagram, e vir pra cá contar de forma detalhada por que esse livro foi o meu segundo livro lido de 2018 e já está na lista dos mais importantes da minha vida juntinho com Um Defeito de Cor de Ana Maria Gonçalves.

O livro começa com uma árvore genealógica que vai te fazer voltar nela a cada capítulo e que me fez indagar várias e várias vezes o privilégio de quem pode e consegue montar a sua própria árvore conseguindo ir além dos avós.

A grande sacada do livro é nos fazer perceber de forma contundente, dolorida e real, – quase que desenhando pra quem custa a entender – como os males da escravidão são sentidos até hoje, ilustrando como o trauma é sentido hoje porque ele é passado de geração a geração, mesmo sem saber nomeá-lo.

Yaa Gyasi conta a história do sistema mais perverso, cruel e desumanizante que já existiu: a escravidão. Através de duas irmãs que não se conheceram e foram separadas por uma grande tragédia, o destino delas duas traça toda a narrativa, com cada capítulo sendo sobre a vida do seus descendentes pelas sete gerações seguintes.

Do Continente Africano, especificamente em Gana, por meio de duas tribos diferentes, os Fanti e os Axânti até a América, passando por várias cidades, a história é contada como quem conta perdas, vidas arrancadas, e a falta de escolhas quando tudo que o colonizador consegue ver em pessoas negras são lucros, coisas e algo em que ele pode usar pra se sentir maior, mais forte e poderoso, dominando, exterminando, humilhando e subjugando. All the time.

Abaixo, algumas passagens do livro:

“Você quer saber o que é fraqueza? Fraqueza é tratar alguém como se pertencesse a você. Força é saber que cada pessoa pertence a si mesma”. Página 63.

“Antes de Esi sair, aquele chamado governador olhou para ela e sorriu. Era um sorriso simpático, compadecido, porém verdadeiro. Mas, pelo resto da sua vida, Esi veria um sorriso no rosto de um branco e se lembraria do sorriso que o soldado lhe deu antes de levá-la para o seu alojamento; de como o sorriso dos homens brancos significava simplesmente que mais maldade viria com a próxima onda”. Página 80

“Os brancos têm escolhas. Eles podem escolher o emprego, escolher a casa. Eles podem fazer filhos negros e depois desaparecer como se nunca tivessem estado por ali, pra começo de conversa. Como se essas negras com quem  eles tinham ido pra cama ou que tinham estuprado tivessem dormido consigo mesmas e ficado grávidas. Os brancos também escolhem pelos negros. Antes, eles os vendiam. Agora, simplesmente mandam pra cadeia, como fizeram com o meu pai”. Página 388

E vou parar por aqui, pra não dar mais nenhum detalhe e pra você não perder a magia dessa leitura que já se tornou uma das minhas preferidas.

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