Festa Cyranda e a busca pela essência cultural

#festacyranda

Vivemos num país multicultural. A facilidade que o Brasil tem de criar novas formas de expressão e dialogar com inúmeras culturas ao redor do mundo faz com que a nossa mente sempre borbulhe com ritmos, energias e formas artísticas. Bebemos de outras fontes, damos o nosso toque e fazemos com que expressões musicais originalmente estrangeiras se tornem melhores a partir do momento que a inserimos dentro do nosso contexto. Tudo se torna novo e diferente ao mesmo tempo.

Ou não tão novo e diferente assim. Seja por motivos estéticos ou sociais, temos uma visão errada da nossa própria cultura. As vezes, valorizamos mais o que é originalmente de fora e nos esquecemos que a cultura regional criada aqui é extremamente valorizada ao redor do mundo, ganhando prêmios e reconhecimento. É importante sabermos que a ancestralidade criada e passada pelos griots africanos se estendem além dos nossos famosos funk ou hip hop e resultam numa cultura rica e extremamente brasileira.

Festa Cyranda possui essa percepção e promoveu ao seu público uma experiencia cultural brasileira unica. Desde a incrível musicalidade, passando pelas artes e até pelas marcas parceiras presentes da cerveja Praya, a grande curadora do evento. O line foi estrategicamente pensado para que houvesse uma veracidade dentro do conceito proposto pela festa. Foram convidados DJs, grupos e movimentos culturais que são inseridos de fato dentro da cultura nordestina como um todo. Com isso, o público, em sua maioria acostumado as festas mainstream combo de vodka com red bull, se sentiu a vontade e inserido dentro daquela realidade.

A presença do DJ LP no line de fato me surpreendeu. Relíquia das festas de hip hop da cidade, LP fez um set todo inserido dentro xote e xaxado. Ele me disse que a vivencia dele é maior dentro da música brasileira, do que até mesmo no hip hop. E outro detalhe importante que o próprio me disse. Quem de fato estuda a cultura hip hop, está conectado com pelo menos 70% da música mundial, por conta dos recortes e dos samples usados. DJ Raiz trouxe uma linha regional muito futurista, fazendo umas misturas incríveis entre xote, bass music e pagodão baiano. Raiz faz parte do Ministério Público Sound System, movimento atual e já histórico de Salvador que revelou nomes como Baiana System, e a presença dele deu uma outra personalidade a pista.

Os grandes responsáveis pela curadoria musical do evento foram os DJs Zeh Pretin e Zedoroque. Os dois são bastantes conhecidos e reconhecidos pela vontade e luta pela valorização da cultura brasileira nas suas festas como o Baile do Zeh Pretin e a Festa Brzzil. E por incrível que pareça, eles não tocaram no evento. Acredito que não por medo de uma rivalidade com os artistas vindos de fora da cidade, mas sim por uma vontade de dar oportunidade ao público de ouvir outros artistas, tão bons quanto, mas que sejam de fora da nossa bolha. É colocar no curriculum que são curadores musicais de fato, assumindo os prazeres e os riscos de quem tem o poder de escolha sobre quem vai comandar a experiencia musical do seu público.

Zeh Pretin e Zedoroque deram uma indicação aos artistas. Sejam livres para fazer o que mais sabem. O show do Sexteto Sucupira foi uma viagem orgânica musical que fez todo o público ficar boquiaberto com a qualidade, sincronismo e talento dos 6 artistas. A liga entre percussão e o sopro e a forma como a técnica e a alma do sexteto eram expostos ao público fizeram a galera viajar numa fusão entre todas as variações do forró. Marcelo Mimoso na voz e sanfona e Julia Vargas, também na voz, impulsionaram a apresentação e fizeram uma cama incrível para a rainha da ciranda se apresentar.

Lia de Itamaracá representa a ancestralidade de toda mulher negra, artista e guerreira. Ela estava vestida com um grande vestido azul, que combinava com o palco e sua iluminação. Era notório o prazer e a devoção que o Sexteto sentiu quando ela subiu ao palco. São 75 anos de idade e desde os seus 19 sendo artista, a maior representante da ciranda. Mesmo gripada e com a voz bastante rouca, Lia não perdeu o carisma, subiu ao palco e deu 100% de si no seu show. Seu amor e sua luta em prol da ciranda eram estampadas no seu rosto e tudo ao seu redor a fez se sentir a vontade e confortável. As rodas de ciranda se abriram e o público, mais uma vez, teve uma experiencia única.

O lugar era incrível. Sempre descobrem novos lugares no alto da boa vista e esse foi um dos mais legais que já fui. Caiu uma tremenda chuva na cidade horas antes do evento. Mas graças a São Pedro e a Lia de Itamaracá a chuva não voltou a dar as caras no evento. Foi possível abrir uma outra pista, anexa ao palco principal. O respeitado DJ 440 comandou a pista e trouxe linhas futuristas misturando a sua regionalidade com bass music, numa onda irada e que conversava muito com as linhas de DJ Raiz. A minha grande surpresa da noite foi ver o set da DJ Luana Flores que foi o grande destaque musical da noite. Num set com mais da metade das músicas sendo autorais, Luana trouxe toda a sua vivencia musical da Paraíba e manteve a pista muito quente por todo o seu set. No seu instagram, Luana define sua musicalidade como “Música Afroindígena Futurista Contemporânea Nordestina” e soou exatamente assim. Em certo momento do seu set, ela toca triangulo junto com a música e isso faz com que ela interaja bastante com o público. É uma artista que precisamos seguir e ficar de olho.

O onipresente, e indiscutivelmente ótimo DJ, Nepal assumiu a pista e manteve a mesma la em cima com suas viagens sonoras. Ele foi um pouco além e trouxe clássicos da MPB como “Samurai” e deu um novo folego na pista. Sempre mantendo o conceito brasileiro do evento. Rio Maracatu foi pra dentro da pista e tocou ali mesmo. No meio da galera, dando mais uma vez a experiencia que a Festa Cyranda se propôs a dar.

Um detalhe importante, mas não essencial. A festa era open bar. É óbvio que esse é um detalhe que chama a atenção de qualquer um. Mas pela primeira vez senti que esse detalhe era só mais um dentro de todo ecossistema que a festa criou. A bebida era importante. Mas a música era essencial.

 

*Todas as fotos foram tiradas por Lucas Sá

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