Eu cresci na Macumba, mais especificamente na Umbanda e quem cresceu na macumba sabe que privacidade é um privilégio raro.
Sabe como é, “quer saber da minha vida, vai na macumba!”, Portanto saiba, se você é uma adolescente inconsequente e digamos, com um gostinho especial pelo perigo, todo mundo vai saber.
Na Macumba é tudo praticamente em tempo real, os devotos e os Orixás criam um nível de intimidade muito alto e as entidades espirituais não só trabalham como oráculos, fornecendo informações sobre o futuro, como você será cobrado pelos passos do passado.

E se teve uma coisa que eu fiz durante a adolescência foi deixar rastros, na boa, eu era um prato cheio, eu fazia tanta merda que tinha pecados pra serem distribuídos por todas as religiões e crenças e as santas entidades que me guiam sabiam disso muito bem.
Meu primeiro “se liga” do além veio quando eu tinha 15 anos, vamos dizer que eu fiz uma baguncinha de leve no quiosque/restaurante que meu Pai tinha, chamei uns amigos pra tomar uma cerveja, a coisa saiu do controle e quando eu percebi meus amigos tinham acabado com o estoque todo do meu Pai. Minha Mãe ficou furiosa e quando minha Mãe ficava furiosa depois de dá uma coça ela me levava na Macumba.
Era um quartinho preto, cheio de crânios, tridentes e velas e o Sr Marabô, entidade do “clã” do povo de rua da Umbanda brasileira hoje meu amigo mas naquele dia meu pior pesadelo. Lembra que eu disse que só fazia merda? Pois bem, Sr Marabô me colocou naquele quartinho e chamou meu Pai e minha Mãe, ele queria mostrar pra eles “Quanto trabalho pode dar um Erê!” (palavras dele). Só de entrar no quartinho do Exu eu já comecei a chorar, primeiro achei ia levar uma surra do Santo, quem é da Macumba sabe bem como essas três palavrinhas juntas podem assustar e das histórias cabulosas sobre a famosa e bastante temida “Surra de Santo”, pois bem, apanhar não apanhei, mas com aquela gargalhada poderosa e o cheiro de charuto o Sr Marabô foi falando tudo pro meu Pai que nem olhava na minha cara e pra minha Mãe que tava se segurando pra não me enfiar a porrada! Maaanooo, Sr Marabô, não guardou nenhum segredo, falou tudo, contou das vezes que eu fui passear com meus amigos que roubavam carros sem esquecer daquela vez que no meio do passeio o Ling Ling roubou um carro e como eu achei aquilo o máximo, contou que eu já não tinha mais a amada virgindade, contou do loló, dos bailes, das sarradas nas amiguinhas, eu morta de vergonha, A -P -A -V -O -R -A -D-A, só abaixei a cabeça e tentei relaxar o corpo naquele momento épico de my life, depois de falar de todas as minhas trapalhadas juvenis ele soltou uma frase que eu ouviria muito dali pra frente … “Se continuar assim vosuncê vai morrer cedo!”
Embora esse dia tenha sido um dia pra ficar nítido na memória tiveram váaaarias outras vezes, os Erês, os Pretos Velhos e uma vez meu Pai Querido e Amado, Ogum o guerreiro mais poderoso e avançado que a Humanidade já viu me passou o recado em tom de ameaça, dessa vez eu já tinha uns 19 e estava mais acelerada que as pernas do Usain Bolt. Claro que uma garota normal, ao ouvir um presságio desses ia se assustar, se esforçar pra mudar seus hábitos, mas não eu senhoras e senhores, eu não sou uma garota comum e pra ser sincera confesso que toda vez que o mundo espiritual me dizia que eu ia morrer cedo, me sentia levemente aliviada. A matemática pra mim era muito simples, mano, Deus me dibre viver muito, imagina trabalhar até velhinha, deixar o corpo passar por toda essa loucura que é se desgastar, pra mim mais que um aviso era uma dica, do tipo “Vai lá, Carpe Diem!”.
Em minha defesa só posso dizer que os tempos eram outros, naquela época, Idoso era Velho e quase ninguém chegava nos 60 com peitinho durinho, comendo aveia e correndo 10 km toda manhã e ser jovem e descontrolada me parecia a melhor alternativa.
Foi exatamente nessa época que troquei o funk por outros estilos de música e vida e minha amiga Isis me apresentou os clássicos do Rock ‘n roll, não precisou muito pra eu me apaixonar mas quando eu descobri a santíssima trindade Jimmy, Jim e Jane e soube do mito dos 27, ouvi a gargalhada do Sr Marabô e senti o cheiro do charuto, seria aquela a história da minha vida?
O lance foi que aí eu relaxei, decidi fazer absolutamente tudo que eu queria sem ter medo nenhum, de nada, porque os Deuses já tinham anunciado, a Taísa vai morrer cedo, e quem será contra os Deuses, não é mesmo?
Eu não sei se a minha decisão de não entrar pra Universidade foi influenciada por essa informação, mas essa foi uma primeira grande escolha, eu decidi que usar meu pouco tempo pra aprender tudo na rua e assim fez-se a luz.
Gastei a onda sem piedade e quando alguém me falava sobre o futuro eu dava de ombros e pensava tô com 25, tenho mais dois anos de crédito, vou viver vivendo!
Mas acredite ou não teve um mal entendido e eu ainda tô por aqui! E pior ainda, todo esse estilo de vida que os rockstars inventaram não faz mais o menor sentido e a onda é superar as estatisticas, o Cool do momento é manter-se vivo!
É mano, 2018, embora o que mais se venda nessa cidade seja droga morrer de overdose está totalmente fora de moda, a onda agora é ser saudável, tem que ser de esquerda, não basta ser de esquerda tem q ser vegano, não basta ser vegano tem q ser blogueiro e pra fazer tudo isso e sair como vitorioso VOCÊ NÃO PODE MORRER!
Para além das críticas sociais, pensando só nas críticas da minha vida mesmo a verdade é que eu não me preparei, estou chegando aos 30, não morri e nem quero mas eu também não tenho um plano, ops foi mal, não tenho! Vacilei, eu sei, mas poxa, foi um vacilo baseado na fé!
Eu não faço a menor idéia do que fazer agora que venci a média de tempo que supostamente o divino tinha me predestinado, passar na Brasil de motão a mil com o PP completamente chapado de Lóló numa tempestade de níveis asiáticos não me matou, nada mais me matará e o plano eu decidi ir desenvolvendo com o tempo, sou uma pirata que desenha mapas e trajetorias, eu consigo. É fato.
Seja como for, uma coisa não posso negar, toda segunda feira, dia sagrado de saudar Exu e seus aliados, me dá vontade de dá um pulo naquele quartinho cheio de tridentes, crânios, e velas, virar pro meu querido e respeitado amigo e dizer..
É Sr Marabô, parece que o jogo virou não é mesmo!!
Coluna da Taísa Machado